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FUTEBOL, RACISMO E ENSINO DE HISTÓRIA: POSSIBILIDADES EM SALA DE AULA
João Pedro Pereira Rocha
Prof. Esp. UFG

O campo do Ensino de História, em particular, recorre a problemáticas que fazem parte do cotidiano de crianças e jovens, possibilitando caminhos de interpretações sobre o passado. O presente, por meio de problemas diversos, pode ser tomado como ponto de partida nas aulas de história. Nesse contexto, a discussão aqui apresentada caminha no sentido de lançar algumas reflexões acerca de uma questão presente na sociedade brasileira, o racismo. Assim, o objetivo aqui é apontar possibilidades de abordar o racismo nas aulas de história, fazendo uso de um elemento significativo da cultura brasileira, o futebol.
As reflexões serão construídas a partir de dois episódios da História do Futebol Nacional e que fornecem subsídios para pensamos seu uso como ferramenta na discussão sobre racismo nas aulas de história: o contexto de sua popularização e o da Copa de 1950. A presença da história do esporte em sala de aula, com vistas à historicidade do racismo nos diversos meios de relações sociais será o curso das reflexões aqui apresentadas. Os resultados expostos será fruto de possibilidades de uso didático do futebol na disciplina história. 
O pesquisador Roberto DaMatta (1982) define o futebol como sendo o local por meio do qual a sociedade fala, apresenta-se, deixa descobrir-se, enfiam, permite um leitura sociológica da sociedade. Essa leitura social, e que o futebol permite fazer lança luzes para abordagens que objetivam a historicidade do futebol, seu desenvolvimento ao longo da história. Assim, e como afirma Carlos Moore (2007), a análise sobre o racismo dar-se em uma perspectiva que atenta para sua construção histórica e social.
Ao fazer uso do futebol como elemento histórico na discussão sobre racismo em sala de aula, a história do esporte poderá se abordada de modo a apresentar fatos e acontecimentos que prescrevem a atuação do racismo na sociedade, por exemplo. A popularização do futebol no Brasil ocorreu no momento em que a participação dos negros no futebol tornou-se mais evidente, inclusive com a participação em agremiações desportivas. Entretanto, essa participação sempre foi permeada de conflitos, os quais tinham na questão racial a raiz para os embates, inclusive em meio a manifestações de racismo.
O modo como às relações sociais eram estabelecidas, na origem, ou pelo menos quando algumas dos atuais e populares clubes desportistas começavam a se desenvolver tipifica bem a configuração social do Brasil no inicio do século XX. Mario Filho assim descreve a realidade construída em torno da popularização do futebol, no Brasil:
O Fluminense e o Botafogo não viam problema nessa vulgarização do futebol. A arquibancada ficava de um lado, a geral do outro. Tudo separado. Não bastava saber jogar futebol para entrar num clube como o Fluminense e o Botafogo. Era preciso ser de boa família. (FILHO, 2010, p. 51)
É no próprio Fluminense Football Club que a trajetória do esporte no Brasil registrou um fato marcante. Na ocasião o ex-jogador negro, Carlos Alberto, em 1914, teria usado pó-de-arroz como forma de “clarear” a pele. A reflexão exigida em sala de aula não pode se restringir ao fato em si; ao pensar a história ensinada, as discussões devem ir além. A contextualização do fato apontará, entre outras, um Brasil que há poucas décadas abandonará o regime escravista em meio a nenhuma política de reparação frente ao povo negro. Aliado ao descaso promovido pelo Estado estaria o modo como às relações sociais eram estabelecidas, e é nesse ponto que o comportamento do ex-jogador Carlos Alberto pode ser interpretado. Essa abordagem em sala de aula poderá ser feita tomando o ato do jogador como forma de inserção em um meio racista, tendo em vista que clubes como o Fluminense, na época, limitava espaço aos jogadores negros. Assim, a discussão poderá desembocar em caracterizações sociais pelas quais o negro busca ascensão e aceitação social, por meio de um esporte que se popularizava.
Tomando o racismo como construção histórica (MOORE, 2007), sua abordagem em sala de aula deve compreender sua atuação ao longo do tempo. No caso da História do Futebol, outro episódio em que o racismo se manifestou, e que pode ser abordado em sala de aula, ocorreu no ano de 1950, na Copa do Mundo realizada no Brasil, e que ficou conhecido como “maracanaço”. Em sala de aula essa questão poderá, a critério do profissional, ser abordada dentro de um plano no qual a historiografia do futebol discute: o contexto social e político do Brasil em meados do século XX.
A Copa de 1950 procurou, entre outras, comprovar a capacidade evolutiva e civilizacional da sociedade brasileira, sobretudo aos europeus (FRAGA, 2014). A derrota na final ante a seleção uruguaia colocou por terra muitas expectativas, causou decepções e deixou latente algumas veias históricas, dentre as pulsantes estava o racismo. Sobre a derrota o historiador Gerson Fraga escreve:
Não havia porque fazer tabula rasa de um passado marcado por preconceitos. Eles estavam ali, dissolvidos entre os expectadores da partida, entre aqueles que haviam lido Oliveira Lima, Euclydes da Cunha ou Paulo Prado, mas também entre aqueles que não haviam lido, ou sequer sabiam ler, mas que eram atingidos por tais teorias através de outros caminhos... (FRAGA, 2014, p.434)
Já o historiador Hilário Franco Júnior, assim comentou o fato:
Mas sobre três jogadores negros é que foram lançadas as críticas mais pesadas: o goleiro Barbosa, o zagueiro Juvenal e o lateral-esquerdo Bigode. O problema da raça brasileira reaparecia de forma aguda, reforçando o complexo de inferioridade existente. Para muitos discursos racistas a composição étnica havia definido a sorte de nossa seleção assim como definiria a sorte da própria sociedade. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 91)
A culpabilidade destinada ao negro pela infelicidade em campo, como aponta os historiadores, é carregada de preconceito racial. Um racismo que vinha de todos os lados, independente da instrução o julgamento aos culpados selecionou o homem negro como responsável pela derrota. Essa situação caracterizou a sociedade brasileira da metade do século XX, que na complexidade de suas raízes refutava a possibilidade de uma “democracia racial”.
Abordadas em sala de aula essas questões podem proporcionar discussões que contextualizam quadros da formação social brasileira. Neles o aspecto do racismo se fez presente em diferentes momentos da história do futebol, algo que aponta para abordagens que exponham a dimensão de seu enraizamento das esferas da sociedade. Esse ponto poderá desencadear discussões, em sala, que pensem estratégias de combate ao racismo observando suas diferentes estâncias de manifestação. Como assinala a pesquisadora Hebe Mattos:
Se o racismo não diz respeito apenas à intolerância cultural, mas a preconceitos ainda mais profundos, o aprendizado do respeito às diferenças está na base de qualquer possibilidade de superação de sua recorrência na sociedade brasileira. (MATTOS, 2009, p. 127)
A orientação que a pesquisadora deixa sobre a profundidade do racismo poderá nortear reflexões de sua relação com os episódios aqui apresentados, e passíveis de uso nas aulas de história. Na medida em que ações com a do ex-jogador Carlos Alberto servem para abordar o conceito em sala de aula, também auxiliam discussões que possibilitam ao estudante perceber o uso do “pó-de-arroz” como sendo uma forma de driblar um preconceito institucionalizado. O recurso poderá ser debatido a partir de uma perspectiva de negação a cor, uma vez que a opressão psicológica desencadeada por atos racistas levam sujeitos a buscar inclusão em normas de padrões estabelecidas, e a da época tinha o universo branco como plano de fundo.
Em conjunto com o episódio na Copa de 1950 os casos de racismo descritos aqui poderão ser discutidos por professores de história, também e, a partir de casos recentes de manifestações racistas no futebol. Por um lado estudantes terão a oportunidade de visualizar o racismo como construção histórica e que sua presença no século XXI é uma declaração das profundezas necessárias ao seu combate. Com isso, enfatizar o respeito ao outro, aos direitos humanos e a justiça social são caminhos necessários ao desenvolvimento pleno da cidadania. Indagar em sala de aula as possíveis mudanças e permanências em relação ao racismo de ontem e de hoje, por meio do futebol, pode vir a ser um caminho positivo na objetivação do papel social do conhecimento histórico em sala de aula.

Referências Bibliográficas
DAMATTA, Roberto. Futebol: Ópio do Povo ou Drama de Justiça Social? Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 1, 4, p. 54-60, nov. 1982.
FRAGA. G. W. Uma triste história de futebol no Brasil: o maracanaço – nacionalidade, futebol e imprensa na Copa do Mundo de 1950. Passo Fundo: Méritos, 2014.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Futebol, micro-história do mundo contemporâneo. In: A dança dos deuses: futebol, sociedade, cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 25-162.
MATTOS, H. O ensino de história e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In: ABREU, Martha, SOIHET, Rachel. Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologia. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra.  2009, p. 127-136.

MOORE, Carlos. Racismo: passado conflituoso, presente comprometido, futuro incerto. In: Racismo e sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo. Belo Horizonte. Mazza Edições, 2007, p. 279-304.

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