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Lucivaine Melo

A HISTÓRIA INDÍGENA NO ESPAÇO ESCOLAR: PONDERAÇÕES A PARTIR DAS AÇÕES DO PIBID DE HISTÓRIA
Lucivaine Melo
Mr. Maria Geralda de A. Moreira
UEG

A presença indígena no espaço educacional tem se apresentado de forma fragmentada, oscilando entre silêncios acerca de sua presença na história e na sociedade brasileiras, e, representações carregadas de estereótipos provenientes do imaginário construído no século XVI. Tão ruinoso quanto o silêncio, essas abordagens que pressupõe o índio como indivíduos possuidores de uma cultura estável “(...) espécies de fósseis vivos da humanidade, portadores de culturas autênticas e puras” (ALMEIDA, 2010, p. 17).  Taís estas desconsideram os índios da atualidade e as suas estratégias para resistir ao violento processo de expansão do capital sobre seus territórios tradicionais.
Refletir acerca da temática indígena na escola é necessariamente pensar sobre sujeitos, seres humanos, culturas e saberes que necessariamente adéquam às novas realidades espaciais e sociais. É preciso. compreender que os grupos indígenas e suas culturas “[...] longe de estarem congelados, transforma-se através da dinâmica de suas relações sociais, em processos históricos que não necessariamente os conduzem ao desaparecimento [...]” (ALMEIDA, 2010, p. 23).
É condição sine qua nonpara a mudança de abordagem da história indígena ensinada na educação básica, entender que a identidade indígena não pode ser reduzida ao uso de pena, do cocar, da pintura e de outros elementos elencados pelos não indígenas como demarcadores da identidade desse povo. É preciso pensar além da perspectiva que compreende os indígenas como culturalmente homogêneos, observando a diversidade que se apresenta em cada etnia.
Quando falamos de “índios” falamos pouco sobre os Waimiri-Atroari de Roraima; os Kren-Akarore do Mato Grosso e Pará; os Kaigang de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná; os grupos indígenas do Oiapoque como: Karipuna, Palikur, Galibi Marworno e Galibi Kali ´na; ou mesmo os grupos indígenas do Alto e Médio Rio Negro dentre os quais cito os Tukano e Desana; e assim, também, ocorre com os indígenas do Acre. Como exemplos das diversas etnias desse Estado inserimos a Ashaninka/Kampa. Nesse sentido precisamos indagar: será que os indígenas do Oiapoque, do Amazonas, do Acre que vivem em outro espaço geográfico - muitos deles em regiões de fronteiras - outra fauna e flora vivenciam as mesmas experiências, constroem e compartilham as mesmas estratégias de solidariedade que os Karajá ou Avá-Canoeiro que habitam regiões de cerrado no Estado de Goiás?
Certamente todos possuem alguns elementos que os fazem identificar como índios, porém, na atualidade, o debate inovador precisa ocorrer no sentido de perceber as diferenças, estas sim, são essenciais para compreendermos a identidade de cada grupo, a começar pelas estratégias de resistências; as diferenças linguísticas; cultura material e imaterial e a concepção de mundo, não dos índios, mas, dos Karajá, dos Kaxarari, dos Ye´kuana, dos Kadiwéu, etc., contribuindo, assim para construir representações positivas acerca da identidade assumida por essa minoria étnica.
Compreendemos que o processo de construção de significados sobre o outro ocorre em vários espaços sociais e não somente na escola ou nas aulas de História, mas este é um momento privilegiado. É na escola que o processo de ensino e aprendizado acontece de forma sistematizada e constante, portanto, é local de transformação da consciência histórica. Se a criação de uma consciência histórica não é função da escola e do ensino de História, a sua ampliação sim, pois compete ao trabalho da história na escola “[...] possibilitar o debate, a negociação e a abertura para a ampliação e complexificação de forma a atribuir sentido ao tempo que os alunos trazem com eles” (CERRI, 2011, p. 116). A construção de sentido ocorre a partir do aprendizado histórico e é influenciada pelas condições sociais (comunidade, valores, vivências) e se expressa nas representações e ações cotidianas dos sujeitos. Assim, o não conhecimento da questão indígena, a não “aquisição de história”, conforme propõe Rüsen (2010), leva a construção de narrativas simplificadas sobre o outro, nesse caso, o indígena.
A Lei 11.645/2008 é um avanço no contexto legal, mas é preciso ir além da legalidade, fazendo a diferença nas abordagens que proporcione o reconhecimento destes povos na contemporaneidade. A história indígena a ser abordada nas escolas precisa equalizar as enormes perdas em termos culturais e de etnias com a resistência e as singulares formas de reinventar a identidade redefinindo suas histórias, só assim, construiremos uma educação para a diversidade cultural nas nossas escolas. 
Pensando como Lima (2011) no leque de possibilidade que a inserção da temática indígena proporciona aos envolvidos, na emergência da inserção dos debates acerca da História Indígena na formação de professores e ao mesmo tempo buscando contribuir com a escola na implementação da lei, anteriormente mencionada, propusemos trabalhar a temática por meio do Subprojeto do PIBID - Educação para a diversidade da formação de professores a sala de aula.
O ensino de história indígena foi realizado pelos bolsistas do PIBID (Programa Institucional de Incentivo à Docência), com os alunos do Ensino Fundamental da Escola Campo - Colégio Estadual de Tempo Integral de Aplicação -, com a finalidade de compreender a diversidade cultural dos povos indígenas do Brasil. As atividades executadas em sala de aula são possibilidades de desconstrução de uma história  forjada no decorrer do processo de colonização e perpetuada se  até a atualidade, que pouco ou nada dizem sobre os indígenas.
     Os projetos realizados ao longo dos anos de 2014 a 2016 contemplaram diversas etnias e empregaram distintas fontes e linguagens na sua execução.  O projeto Karajá e suas lendas e a Lenda da Mandioca, permitiram uma grande interação dos alunos ao abordar o conteúdo através de atividades lúdicas e práticas como a confecção de bonecos de argila; bolo de mandioca; contação de história com uso de fantoches; roda da oralidade e confecção de desenhos, frases e pequenos textos pelos próprios alunos como forma de reconto.
O Cantinho da Leitura foi um espaço interdisciplinar com a finalidade de proporcionar aos alunos, um momento de reflexão e reconstrução do imaginário acerca dos indígenas através da leitura de obras literárias que abordam a temática étnico-racial como: Nina África: contos de uma África menina de Lenice Gomes: Kabá Darebu, Histórias de Índios, Meu Avó Apolinário e O Diário de Kaxi: um curumim descobre o Brasil, ambos de Daniel Munduruku. As narrativas fazem parte da cultura e ações como essa, além de contribuir para ampliar os conhecimentos, colabora para o desenvolvimento de futuros leitores. A ação oportuniza, ainda, aos estudantes uma revisão dos conteúdos presente nos livros didáticos.
 Visando conhecer as diferentes manifestações culturais das 305 etnias indígenas existentes atualmente no Brasil, foram realizadas duas oficinas: Grafismo e Moradia Indígena. A oficina sobre Grafismo abordou a especificidade da Pintura Corporal - uma pintura mais livre e de uso diário - e do Grafismo, uma pintura mais elaborada, que faz uso de símbolos e traços geométricos com significados de pertencimento aquele grupo.  Ambas utilizam-se do corpo como suporte para a arte, embora, o grafismo possa ser usando, ainda, em objetos da cultura material. A oficina abordou esses aspectos das etnias Assurini, Karajá e Pataxó.
A oficina Moradia Indígena, por sua vez, fez uma exposição dos diferentes tipos de casas e seus formatos, desfazendo assim o conceito de “oca”, como moradia única de todos os indígenas, por meio da apresentação dos vários formatos das casas e sua disposição na aldeia. A arquitetura indígena foi abordada a partir das etnias: Tukâno, Ye’Kuana e Kamaiurá.
 As atividades desenvolvidas objetivam ampliar o conhecimento dos alunos e refletir acerca da historiografia desse povo presente nos livros didáticos, construída com o olhar europeu, que os colocou a margem e classificou como “selvagens” e valorizar a luta e a resistência, apresentando-os como sujeitos históricos na diversidade cultural brasileira.
As ações têm focado a formação dos bolsistas e futuros professores em reuniões, grupos de estudos e em atividades desenvolvidas na escola, proporcionado uma reflexão acerca de seus conhecimentos iniciais sobre os indígenas, possibilitando o rompimento de ideias estereotipadas e contribuindo para o reconhecimento da identidade assumida pelos indígenas na atualidade.

Referências
ALMEIDA, Maria R. C. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
CERRI, Luiz Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica. Rio de Janeiro: FGV, 2011.
LIMA, Pablo L. de Oliveira. Memórias Indígenas e Ensino de História. Trabalho apresentado no Simpósio Temático “Os Índios e o Atlântico”, XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH, São Paulo, 17 a 22 de julho de 2011.
SCHMIDT; M. Auxiliadora; BARCA, Isabel, MARTINS, Estevão (ORGS.). Jörn Rusen e o ensino de História.  Curitiba: UFPR; Universidade do Minho, 2010.

TERRA, Antônia. Uma nova ótica sobre a história indígena no ensino de História. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/572/uma-nova-otica-sobre-a-historia-indigena-no-ensino-de-historia. Acesso em: 05.03.17.






6 comentários:

  1. Assim como a aprovação da lei 10.639 de 2013, que torna-se obrigatório o ensino da cultura e afro-brasileira, a lei 11.645 de 2008, tornou-se obrigatório o ensino da cultura indígena em todas as escolas, representando um grande avanço, porém ainda temos uma grande defasagem de material didático sobre estes no espaço escolar. Gostaria de saber quais as dificuldades encontradas para desenvolver o tema proposto?

    Maxuel Soares de Oliveira....

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  2. Olá Maxuel, como bolsista do Projeto Étnico-racial do PIBID de História, em atuação as atividades foi visível o preconceito arraigado no imaginário dos estudantes, está desconstrução e um processo lento mesmo com apoio das Escolas e Educadores que na maioria das vezes tem este tema como um conteúdo extra.
    Lucivaine Melo da Silva

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Olá Maxuel, temos necessidade de material didático, porém, existe um número significativo de materiais produzidos por universidades e pelos próprios indígenas que podem ser usados em projetos como esse. No caso específico de nosso projeto, trabalhamos com diversas fontes como: livros de literatura infanto-juvenil, produzidos pelo escritor indígena Daniel Munduruku; vídeos-documentários; materiais produzidos por professores indígenas e universidades. Existem sites excelentes que podem ser incluídos nessas atividades, como: site do Instituto Socioambiental. O instituto recentemente criou uma versão com o nome Mirin (https://mirim.org/), que possui diversas atividades interativas. Estas podem ser usadas para trabalhar a temática em sala de aula. Fazemos uso, também, de músicas. Dentre as músicas que usamos para trabalhar, não somente a diversidade, mas, as diferenças existentes entre as etnias indígenas, posso sugerir: David Assayag - Índio do Brasil https://www.google.com.br/#q=%C3%ADndios+do+Brasil+de+David+Assayag) ; Brô Mcs – um grupo formado por indígenas Guarani Kaiowá. A partir do nosso trabalho com a temática, produzimos alguns materiais, porém, na ausência de oportunidade para confeccionar o próprio material podemos usar os que estão disponíveis na internet e, a partir deles, inserir no cotidiano da sala aula a temática indígena de forma a valorizar a identidade de cada etnia indígena.
    Maria Geralda Moreira

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