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Valdenira Silva

MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO (1889-1937): (In) VISIBILIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA
Valdenira Silva de Melo
Prof. Esp. UEM

Falar da História do Brasil dando ênfase a trajetória política negra é tarefa de poucos docentes. A tendência é reproduzir um discurso “ocidentocêntrico” arraigado nas velhas mentalidades e na tradicional formação acadêmica de professores e de professoras.
Romper com essa estrutura dominante, não é tarefa fácil, visto que requer do próprio docente o despojar-se dos velhos conceitos e contribuir na sala de aula com uma história menos excludente. Nos dizeres de Nilma Lino Gomes (2012), é necessário descolonizar os currículos.
Dessa forma, este texto propõe uma reflexão sobre a atuação do Movimento Negro Brasileiro (1889-1937), evidenciando sua organização de luta e suas estratégias de inclusão social frente ao racismo pós-Abolição da escravidão no Brasil. Tema que merece destaque nas aulas de História.
Para além dos Movimentos Sociais já conhecidos na Primeira República como a Guerra de Canudos, a Guerra do Contestado, o Cangaço, a Revolta da Vacina, a Revolta da Chibata, dentre outros que compõem o currículo escolar e são explícitos nos livros didáticos, convém enfatizar a organização social e política do Movimento Negro nos períodos de 1889-1937 na História do Brasil.
Contudo, como definir Movimento social? Segundo Gohn (2008, p. 131).
Consideramos um movimento social como a expressão máxima de um Sujeito coletivo em ação. Os Sujeitos individuais têm seus pertencimentos, suas experiências vivenciadas e seus projetos – que não são de ordem pessoal no sentido intimista, de sua personalidade. São requerimentos de sua existência como ser humano – gênero, raça, língua, nação, religião, valores e tradições herdadas e adquiridas etc. Quando confrontados uns com outros e quando relacionados por redes solidárias ou de pertencimento cultural, estes sujeitos individuais constroem o sujeito coletivo.
Percebemos que a conceituação da expressão perpassa por anseios coletivos, pela construção da própria identidade do grupo, apesar de estar envolvidos identidades múltiplas, há de se considerar as ações coletivas pelas lutas em prol do todo ou da maioria.
Nesse contexto, como então definir Movimento Negro? Conforme Domingues (2007, p. 101):
Movimento negro é a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural [...]”.
Diante do exposto percebemos que as ações coletivas do Movimento Negro explicitam como tema central a questão racial e suas lutas pela igualdade social, e precisa ser analisado a partir de sua conjuntura histórica. Na tentativa de articular uma mudança coletiva da população negra no pós-Abolição da escravatura, vários “associações” foram criadas no sentido de rever a situação marginal da população negra nesse período.
Para revelar a mobilização da população negra mostrando sua luta frente ao descaso governamental, Domingues (2007, p. 103), enumera uma série de “clubes ou associações” constituídas ao longo do período histórico pretendido para esse texto. São elas:
Em São Paulo, apareceram o Club 13 de Maio dos Homens Pretos (1902), o Centro Literário dos Homens de Cor (1903), a Sociedade Propugnadora 13 de Maio (1906), o Centro Cultural Henrique Dias (1908), a Sociedade União Cívica dos Homens de Cor (1915), a Associação Protetora dos Brasileiros Pretos(1917); no Rio de Janeiro, o Centro da Federação dos Homens de Cor; em Pelotas/ RG, a Sociedade Progresso da Raça Africana (1891); em Lages/SC, o Centro Cívico Cruz e Souza (1918). Em São Paulo, a agremiação negra mais antiga desse período foi o Clube 28 de Setembro, constituído em 1897. As maiores delas foram o Grupo Dramático e Recreativo Kosmos e o Centro Cívico Palmares, fundados em 1908 e 1926, respectivamente
Essas informações referentes a trajetória de resistência do Movimento Negro precisam romper os acervos acadêmicos e se fazerem presentes nas aulas de História como forma de destacar essa articulação política dos negros contra o racismo e suas mobilizações de protesto pela inclusão e reconhecimento desse grupo étnico na sociedade brasileira. Ainda de acordo com o Domingues (2007), essas “associações negras” tinham características “assistencialista, recreativa e/ou cultural”, porém ainda no decorrer do período Republicano essas mobilizações vão se consolidando e tornando-se cada vez mais politizadas.
Cabe destacar também, como os “homens de cor”, denominação utilizada na época para referir-se aos negros, organizaram-se e criaram a “imprensa negra” para veicular informações por eles elaboradas no sentido de divulgar seus ideias e seus interesses.
Como exemplos dessa “impressa alternativa” Domingues (2007, p. 104), destaca:
Em São Paulo, o primeiro desses jornais foi A Pátria, de 1899, tendo como subtítulo Orgão dos Homens de Cor. Outros títulos também foram publicados nessa cidade: O Combate, em 1912; O Menelick, em 1915; O Bandeirante, em 1918; O Alfinete, em 1918; A Liberdade, em 1918; e A Sentinela, em 1920. No município de Campinas, O Baluarte, em 1903, e O Getulino, em 1923. Um dos principais jornais desse período foi o Clarim da Alvorada, lançado em 1924, sob a direção de José Correia Leite e Jayme Aguiar. Até 1930, contabiliza-se a existência de, pelo menos, 31 desses jornais circulando em São Paulo.
De acordo com a descrição de Domingues, podemos perceber a trajetória e o amadurecimento político do Movimento e sua ousadia no sentido de resistir ao regime excludente e ditatorial do período. Esse veículo de comunicação foi muito usado para divulgar os descasos do governo e as mazelas da população negra e se tornou um forte meio propagador dos ideais dos “homens de cor”.
No entanto, essa organização social e política do Movimento Negro Brasileiro não é contemplado nos livros didáticos e nem os professores discutem no ambiente de sala de aula essas articulações negras, no sentido de desmistificar a passividade negra enraizada na mentalidade dos brasileiros.
Embora tenham surgido várias denominações negras, a que mais se destacou nesse período foi a Frente Negra Brasileira (FNB), que se constitui como partido político em 1936. Porém influenciada pela conjuntura política internacional, não durou muito tempo devido sua postura ideológica, conforme enfatiza Domingues (2007, p. 107):
[...] Sua principal liderança, Arlindo Veiga dos Santos, elogiava publicamente o governo de Benedito Mussolini, na Itália, e Adolfo Hitler, na Alemanha. O subtítulo do jornal A Voz da Raça também era sintomático: “Deus, Pátria, Raça e Família”, diferenciando-se do principal lema integralista (movimento de extrema direita brasileiro) apenas no termo “Raça”. A FNB mantinha, inclusive, uma milícia, estruturada nos moldes dos boinas verdes do fascismo italiano. [...] Com a instauração da ditadura do “Estado Novo”, em 1937, a Frente Negra Brasileira, assim como todas as demais organizações políticas, foi extinta. O movimento negro, no bojo dos demais movimentos sociais, foi então esvaziado. [...]
Como podemos observar as produções acadêmicas sobre o Movimento Negro Brasileiro enfatizam sua trajetória, suas articulações políticas e sociais e mostram uma história de resistência que marca a primeira fase desse Movimento. Essas informações precisam chegar a sala de aula e o docente historiador dar voz a esses sujeitos sociais que forjam um novo cenário na História do Brasil Republicano. Espera-se, portanto, que esta produção possa contribuir no sentido de fazer da invisibilidade histórica um campo visível e possível para as novas discussões no Ensino de História acerca dessa temática.

Referências bibliográficas
ALMEIDA, Maria Vandete (Negavan) Revoluções Tecnológicas, Redes Sociais e Movimentos Contemporâneos. In: BRUNELO, Leandro (Organizador). Ensino de História e Movimentos Sociais: Problematizações, Métodos e Linguagens. Editora UEM/PGH/História, Maringá, 2016. p.75-96
DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos.In: Revista Tempo, 2007.
DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: história, tendências e dilemas contemporâneos. In: Dimensões, 2008.
GOHN, Maria da Glória. Abordagens Teóricas no Estudo dos Movimentos Sociais na América Latina.In:  Caderno CRH. V.21. Salvador, 2008.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. In: Revista Brasileira de Educação v. 16   n. 47. Universidade Estadual de Campinas. Universidade Nove de Julho, 2011.

GOMES, Nilma Lino. Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, v.12, n.1, pp. 98-109, Jan/Abr 2012.

9 comentários:

  1. É um fato notório a ausência desse debate nos livros didáticos mais recentes. Parece-me que existe uma barreira ideológica ao se tratar do movimento negro. Quais seriam as estratégias pedagógicas para trabalho no contexto do ensino médio? ótima reflexão.

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    1. Olá Cleverton!

      Uma das estratégias seria acrescentar na discussão curricular o Movimento Negro, quando tiver discutindo os movimentos sociais na Primeira República Brasileira. Outra possibilidade de evidenciar o movimento é quando das discussões sobre o dia da Consciência Negra mostrando a história de luta e articulação política desse grupo étnico e não apenas o lado cultural como é comumente apresentado nas escolas.

      Att,

      Valdenira Silva de Melo.

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  2. Fundamental as discussões em torno deste tema. Infelizmente não são temas abordados em sala de aula, e vemos e deficiência de muitos professores na articulação em sala de aula. No seu ponto de vista, como o movimento negro deveria ser trabalhado no ensino de História e como a lei 10.639/03 ajuda nesse sentido?
    Talita Samara Oliveira Mesquita

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    1. Oi Talita, além das sugestões acima, uma possibilidade de trabalhar o Movimento Negro na sala de aula é através da pesquisa de campo, entrevistando lideranças que coordenam os movimentos em seus municípios e após coleta de informações socializar com a turma explicitando principalmente a organização política do movimento. A contribuição da lei Federal 10.639/03 nesse sentido é válida pois permite conhecer a história da África antes do contato com o europeu e sua conjuntura política, social e econômica desmistificando de alguma forma o discurso da ausência intelectual do negro.

      Att,

      Valdenira Silva de Melo.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Cara professora Valdenira Silva de Melo primeiramente parabenizo-a pela pesquisa. Como sabemos nossos livros didáticos pecam em muitas questões, principalmente nas relacionadas a história africana e dos afro-brasileiros, no qual fica muitas vezes sem o aprofundamento necessário para valorizar os feitos desta população em termos de articulações políticas, sociais, culturais e de resistência. Vivemos em uma época em que o ensino de história está sendo retirado do currículo base do Ensino Médio, desta forma como vês que ficará a questão do ensino da História Afro-brasileira nos próximos anos?

    Att.
    Camila da Silva Ramalho

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    1. Olá Camilla!

      A retirada da obrigatoriedade dessa lei federal é uma perda considerável aos direitos conquistados através de lutas do Movimento Negro Brasileiro, no entanto, não podemos enquanto docente, retroceder. Precisamos sim, mostrar as várias faces da História evidenciando a África e analisando de forma crítica a retirada de vários direitos conquistados ao longo do processo histórico inclusive conquistas trabalhistas, educacionais, de saúde, etc. promovido por esse atual governo ilegítimo.

      Att,

      Valdenira Silva de Melo.

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  5. Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes6 de abril de 2017 às 16:33

    Valdenira, boa noite!

    Na sua opinião, quais seriam os temas relevantes para se trabalhar o movimento negro no ensino de História?

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  6. Olá Bruno!
    São várias as possibilidades de temas, destaco os seguintes: As organizações negras; A imprensa negra; As lideranças; A participação da mulher nas instituições: Os Homens de Cor, etc.

    Att,

    Valdenira Silva de Melo.

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