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O ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA ÓTICA A PARTIR DO USO DAS MÚSICAS E DA LITERATURA
Wilverson Rodrigo Silva de Melo
Prof. Dnt. UFOPA

Introdução
O Ensino de História tem se apresentado cada vez mais como um grande desafio na contemporaneidade. Estreitar laços entre a História enquanto Ciência e a História enquanto Disciplina, convenciona-se como um grande cisma historiográfico, o qual se esbarra na bifurcação dos aspectos teóricos bem específicos da historiografia e os aspectos práticos do cotidiano escolar. Dialogar teoria e prática com vistas ao ensino tem sido o grande dilema dos historiadores, haja vista que entre o “querer” e o “fazer” História existe um grande distanciamento. “Dito isto, convém entendermos que ‘o fazer história e o ensinar história’ não são campos distintos do saber histórico, ambos encontram-se imbricados e não devem se dissociar” (MELO, 2016, p.4).

A história enquanto área de conhecimento e disciplina escolar possui uma grande responsabilidade na efetivação desses objetivos, sobretudo no desenvolvimento do espírito crítico e autônomo. a real materialização da tríade “educar, ensinar e formar” no que concerne ao ensino de História diz respeito a construção do educando enquanto sujeito histórico dentro da sala de aula. “O sujeito histórico, que se configura na inter-relação complexa, duradoura e contraditória entre as identidades sociais e as pessoais, é o verdadeiro construtor da História”. (BEZZERRA, 2010, p. 45). Apenas este sujeito histórico ético, capaz de estabelecer as conexões entre presente e passado pode de fato vivenciar uma experiência cidadã.

Trabalhando os conceitos de “revolução” e “movimentos sociais” em sala de aula: um campo de possibilidades
Neste arcabouço epistemológico faz-se necessário discutir em sala de aula a História das Revoluções e dos Movimentos Sociais a partir de uma perspectiva etmológica e da história dos conceitos proposta por Reinhart Koselleck (2001; 2013), até porque para Paul Veyne, fazer história é conceituar.
Então como trabalhar com conceitos de Revoluções e Movimentos Sociais? Revolução é sinônimo de Revolta, de Motim, de Insurreição? Movimentos Sociais são ações humanas do viver em sociedade, ou tem em si outras conotações?
Todo conceito se prende a uma palavra, mas nem toda palavra é um conceito social e político. Conceitos sociais e políticos contêm uma exigência concreta de generalização, ao mesmo tempo em que são sempre polissêmicos.
Segundo Koselleck (2001), o significado e o significante de uma palavra podem ser pensados separadamente. No conceito, significado e significante coincidem na mesma medida em que a multiplicidade da realidade e da experiência histórica se agrega à capacidade de plurissignificação de uma palavra, de forma que seu significado só possa ser conservado e compreendido por meio dessa mesma palavra. Uma palavra contém possibilidades de significado, um conceito reúne em si diferentes totalidades de sentido.
Um conceito pode ser claro, mas deve ser polissêmico. "Todos os conceitos nos quais se concentra o desenrolar de um processo de estabelecimento de sentido escapam às definições. Só é passível de definição aquilo que não tem história" (NIETZSCHE). O conceito reúne em si a diversidade da experiência histórica assim como a soma das características objetivas teóricas e práticas em uma única circunstância, a qual só pode ser dada como tal e realmente experimentada por meio desse mesmo conceito.
De acordo com as canções analisadas por Ipólito (2016), fica explicito dois momentos distintos, com enfoques diferentes denominadas como "canções dos anos de chumbo" e "canções de abertura", tais músicas nos permitem entender o contexto político e econômico mencionados em suas letras. A análise dessas canções, permiti-nos também um olhar crítico quanto aos sujeitos sociais envolvidos nesse processo, e nos remete a importância do entendimento e utilidade dessas linguagens de ensino em sala de aula.
É importante salientar, que dependendo do cenário e temporalidade histórica envolvendo a produção e veiculação das músicas de protesto, deve-se atentar para as metáforas e entrelinhas por onde as canções tentavam expressar suas angústias, ironias e críticas as ações humanas governamentais ou não, no sentido de relações de poder.
“Revolução, música e história são palavras que se aglutinam e camuflam, muitas vezes, espaços culturais de manifestação e resistência. Analisar como a questão da ‘revolução’ é abordada na música significa tentar compreender as denúncias e contradições de um determinado contexto social” (IPÓLITO, 2016, p. 16).
 Um exemplo de música com metáforas é “Cálice” de Chico Buarque, o qual a produziu durante os anos de Ditadura Civil-Militar no Brasil e, mesmo com a censura na imagem e propaganda, conseguiu ludibriar os órgãos de fiscalização e assim passou sua mensagem de insatisfação, incitando a sociedade a inconformação sócio-política.
Mas como analisar o conceito de revolução evidenciada nas músicas de protesto? Segundo Ipólito (2016, p.17) “historicamente, as definições conceituais para o termo ‘revolução’ são múltiplas e variadas. Os significados oscilam desde movimentos sangrentos, como golpes políticos e sociais ou deposições forçadas, até inovações científicas”. Desta forma cabe-nos a incitar em sala de aula, a reflexão da conjuntura histórica do tema e fazer uma relação e/ou anacronismo com o passado a fim de colocar em questão para análise as querelas sócio-políticas, pois o conceito de Revolução pode ser ampliado, na perspectiva de revolução silenciosa (resistências culturais), revolução parcimoniosa (como a de Mahatma Gandhi), e outros tipos de revolução sob uma ótica antropológica e/ou jurídica.
Quanto as linguagens no ensino de História podemos trabalhar o conceito de movimentos sociais e revoluções a partir da literatura. “É certo que a conceituação dessa arte, do modo como a conhecemos, é um produto dos processos históricos ocorridos no Ocidente a partir da sua matriz europeia” (FERREIRA, 2012, p.65). No entanto, cabe ao docente historiador, evidenciar o passado narrado nos contos literários e em específico no caso africano, explicitando a tendência da escrita a partir do olhar do colonizador.
No entanto há de se considerar as relações de poder mesmo que em uma capilaridade a qual traz visibilidade dos atores sociais, em outras palavras, mesmo com a visibilidade do discurso hegemônico de vitorioso do colonizador, só existe vitória, só existe discurso hegemônico porque também se faz presente a invisibilidade do subserviente, as ações minoritárias dos colonizados, ou seja, é essa relação dicotômica que ora anuvia e ora evidencia as minorias marginais no campo literário, em especial na literatura africana.
Feito isto, há de se considerar a necessidade da análise crítica, partindo também das narrativas, das memórias do colonizado, contribuindo assim, para desconstrução de um discurso “ocidentocêntrico” pautado nas ideologias racistas e na invenção da perspectiva oligocêntrica do Ocidente (em especial a Europa) em detrimento do Oriente.
 No celeuma inerente a essas vertentes epistêmicas, destaca-se como possibilidade de trabalho literário quanto aos conceitos de revolução e movimentos sociais, a perspectiva Pós Colonial e Decolonial, ou seja, observar os conceitos na literatura, a partir de uma desconstrução de colonialidade de saberes, ressignificando termos e categorias classificatórias a partir da realidade, signos e saberes do “outro”, o mesmo “outro” que outrora foi marginalizado e contemporaneamente introduz uma visão decolonial de si mesmo e sua cultura, desconstruindo arquétipos imbricados de poder que os rotularam historicamente.

Considerações Finais
Nesse sentido, o Ensino dos conceitos de História das Revoluções e Movimentos Sociais dentro do campo historiográfico, procura analisar as vozes do tempo dos acontecimentos, questionando a sua neutralidade e, com isso, buscando definir os pensamentos, as imagens, as representações, os temas, as observações, as obsessões “que se ocultam ou se manifestam nos discursos e também os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem as regras” (FOUCAULT, 2008, p. 157, grifo nosso). Como proposto por Foucault, temos que trilhar o campo das possibilidades e não sustentar as determinações. O resgate do momento histórico deve ser feito, analisado os mais diversos sentidos e versões que estão ao alcance do historiador. Mais do que a análise de documentos textuais, é importante que se estabeleça um diálogo entre o profissional da História e o conjunto de valores, tradições, discursos, estereótipos e ideologias presentes no contexto em estudo.

Referências
BEZERRA, Holien G. Estudo de história: conteúdos e conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro. (Org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 37-48.
FOUCALT, Michel. A arqueologia do saber. 7 ed.. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
IPÓLITO, Verônica Karina. Música e revolução: notas sobre a resistência cultural na MPB, o regime militar no Brasil e o ensino de História. In: BRUNELO, Leandro (Org.). Ensino de história e movimentos sociais: problematizações, métodos e linguagens. Maringá, UEM-PGH-História. 2016.  p. 16-46.
KOSELLECK, Reinhart. Los estratos del tempo: estúdios sobre la Historia. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 2001.
____________________; et. al. O Conceito de História. Tradução de René E. Gertz. Belo Horizonte: Autêntica editora. (Coleção História e Historiografia). 2013.
MELO, Wilverson Rodrigo Silva de. O ensino de história da Amazônia: algumas reflexões sobre ensino de estudos amazônicos e da produção e uso dos livros didáticos em sala de aula. Revista sobre ontens: RJ. 2016.

4 comentários:

  1. Olá, Wilverson,

    Seu texto traz uma importante discussão sobre a utilização de músicas/literatura enquanto recurso teórico-prático no ensino da história. As letras das músicas, por exemplo, são abordadas em diversas pesquisas da área da história, educação e letras enquanto recurso didático/histórico. Minha pergunta é a seguinte:O que você têm a dizer sobre a utilização dessas expressões em sala a partir de elementos como o sampler, videoclipes, instrumentos musicais, ou seja, elementos musicais que não as letras das músicas?

    Obrigado
    GABRIEL PASSOLD

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  2. boa noite, professor!
    seu texto é cheio de referências, bacanas!
    o artista, tanto o escritor como o compositor, não são seres jogados no tempo, eles fazem parte de uma sociedade, convivem, enfim: vivem aquela sociedade e aquele tempo histórico, a grande vantagem de se usar a literatura e a composição é que elas acabam se tornando grandes crônicas do tempo histórico em que a obra foi escrita. Uma vez eu fui falar da Revolução Francesa eu usei Molière, ele é um cronista bárbaro para dar a dimensão do que eram os burgueses antes da Revolução, foi bem produtivo o resultado.
    A minha grande preocupação hoje é o que acontece no Brasil atual onde se retira o ensino de história no ensino médio, e além de tudo o movimento "escola sem partido" que não deixa o professor de História em paz no quesito da crítica histórica. Obrigada pelo texto,

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  3. Muito interessante, principalmente quando relacionamos com a Ditadura Militar no Brasil, seja pela censura, a repressão e a falta de espaços para as críticas, o dito pelo não dito das músicas, são tão forte que ecoam nos dias de hoje e nos incentivam cada vez mais a pesquisar este material e fonte histórica.

    Pablo Kyoshi Rocha

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  4. Bom dia Professor,

    Acredito que utilização de recursos para auxiliar na compreensão dos contextos estudados, faz-se necessária para comparar e demonstrar as realidades vivenciadas nos períodos propostos.

    Neste sentido, é de extrema importância a interferência do professor na orientação das análises e consequentemente na formação da opinião, de forma livre dos educandos.
    Dentro do estudo proposto, gostaria de saber, até que ponto, a orientação do professor pode interferir na liberdade de interpretação dos educandos e que propostas poderíamos utilizar para não cometer esta falha.

    Patrícia de Souza Santana.

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